novembro 17, 2025

Justiça derruba decisão que proibiu governo de celebrar golpe de 64

Desembargadora de plantão atende pedido da Advocacia-Geral da União e afirma que ordem do dia sobre os eventos de 31 de março de 1964 que deve ser lida em quartéis não “afronta o estado democrático de direito”.Uma desembargadora de plantão derrubou neste sábado (30/03) a liminar que determinou a proibição de atos em comemoração ao golpe de 1964, que completa 55 anos no domingo.A decisão provisória que proibiu as celebrações não durou 24 horas. Ela havia sido expedida na sexta-feira pela juíza Ivani Silva da Luz, da 6° Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, após um pedido da Defensoria Pública da União (DPU). A Defensoria havia entrado no caso após o governo do presidente Jair Bolsonaro determinar no início da semana que o Ministério da Defesa fizesse "comemorações devidas” em relação ao golpe de 31 de março de 1964. Após a Justiça Federal ter proibido os atos, a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu. Na manhã deste sábado, a desembargadora de plantão Maria do Carmo Cardoso, do Tribunal Regional Federal da 1 Região, cassou a liminar. Com a nova decisão, as Forças Armadas ficam liberadas para realizar os eventos previstos para domingo.O pedido da defensoria defendia que não fosse lida uma ordem do dia sobre o 31 de março que foi publicada na quarta-feira pelo Ministério da Defesa. O texto divulgado não falava dos crimes do regime militar ou caracterizava os acontecimentos de 1964 como um golpe.Em seu pedido, a Defensoria Pública afirmou ainda que são de conhecimento público os "horrores" vividos durante o regime ditatorial, mencionando relatórios da Comissão da Verdade e dados sobre mortos, torturados e desaparecidos no período, que se estendeu de 1964 a 1985.A juíza Silva da Luz havia aceitado os argumentos e disse ainda que comemorar o golpe é celebrar "a ruptura política deflagrada pelas Forças Armadas" e mencionou o direito fundamental à memória e à verdade, "com vistas à não repetição de violações contra a integridade da humanidade, preservando a geração presente e as futuras do retrocesso a Estados de exceção".Mas para a desembargadora Maria do Carmo Cardoso entendeu que a ordem do dia divulgada pelo Ministério da Defesa não trouxe "nenhuma conotação ou ideia que reforce os temores levantados pelos agravados, de violação à memória e à verdade, ao principio da moralidade administrativa ou de afronta ao estado democrático de direito”. A desembargadora afirmou ainda que "o estado democrático de direito pressupõe o pluralismo de ideias e projetos” e que o dia "31 de março de 1964 sempre foi objeto de lembrança pelas Forças Armadas”.A desembargadora também aceitou o argumento da AGU de que o pedido da DPU extrapolava a competência deste órgão, uma vez que a defensoria deveria atuar primordialmente na defesa de pessoas hipossuficientes, ou seja, carentes de recursos econômicos ou "necessitados jurídicos".Segundo o jornal Folha de S.Paulo, como o aniversário do golpe vai cair num domingo, parte das unidades militares do Brasil já leu a ordem do dia durante eventos entre quinta e sexta-feira. Os atos consistiram em reunir as tropas em pátios internos de bases militares. Na quinta-feira, por exemplo, houve uma solenidade no Comando Militar do Sudeste com a presença de seis deputados estaduais do PSL, partido de Bolsonaro, na qual foi lida a ordem do dia sobre os eventos de 1964.Trechos do texto diziam que "as Forças Armadas, atendendo ao clamor da ampla maioria da população e da imprensa brasileira, assumiram o papel de estabilização daquele processo” e "o 31 de março de 1964 estava inserido no ambiente da Guerra Fria, que se refletia pelo mundo e penetrava no país".Ao longo da semana, vítimas e parentes de vítimas da ditadura haviam se somado ao coro e pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) que concedesse uma liminar impedindo as comemorações ordenadas pelo presidente. O pedido foi negado na noite de sexta-feira pelo ministro Gilmar Mendes.O ministro argumentou que o instrumento usado pelo grupo, um mandado de segurança, não se aplicava ao caso porque buscou atingir a declaração do porta-voz da Presidência – quem anunciou a determinação de comemoração do golpe –, e não um ato formal de uma autoridade pública.A determinação do governo Bolsonaro em celebrar o golpe também havia provocado manifestação de um relator das Nações Unidas, que apelou para que o Planalto reconsiderasse seu plano de comemorar os 55 anos do golpe. Fabián Salvioli, que é relator especial das Nações Unidas sobre promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não-repetição, havia dito que celebrar um regime que cometeu "crimes horrendos" é algo "imoral e inadmissível".Na última segunda-feira, o porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, anunciou que Bolsonaro havia determinado ao Ministério da Defesa que fossem feitas "comemorações devidas" no próximo domingo, 31 de março, para marcar o início da ditadura militar.O general ainda afirmou que Bolsonaro não considera que houve um golpe militar em 1964. O próprio presidente disse ao longo da semana que, em sua concepção, não houve ditadura militar no Brasil e defendeu que todo regime, como todo casamento, tem alguns "probleminhas".Na quinta-feira, no entanto, ele suavizou o tom. Segundo Bolsonaro, a ordem não foi para que as Forças Armadas comemorem o golpe, mas que "rememorem". "Foi rememorar, rever, ver o que está errado, o que está certo. E usar isso para o bem do Brasil no futuro", afirmou o presidente, que é capitão reformado. Segundo a Folha de S.Paulo, Bolsonaro resolveu mudar o tom após ser aconselhado pelos seus ministros militares, que ficaram contrariados com a publicidade que Bolsonaro conferiu ao evento. O governo também alterou o termo escrito em sua agenda pública, substituindo “solenidade comemorativa” por “solenidade alusiva” a 64.O 31 de março foi retirado do calendário oficial das Forças Armadas em 2011 por determinação da então presidente, Dilma Rousseff, que foi torturada no regime ditatorial.Bolsonaro sempre afirmou que o período de 21 anos não foi uma ditadura. Durante a votação do impeachment de Dilma, em 2016, ele chegou a homenagear o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido pela Justiça de São Paulo como torturador durante o regime militar.A ditadura militar, que se estendeu de 1964 a 1985, teve início com a derrubada do governo do então presidente democraticamente eleito, João Goulart, e foi marcada por censura à imprensa, fim das eleições diretas para presidente, fechamento do Congresso Nacional, tortura de dissidentes e cassação de direitos.Segundo dados da Comissão Nacional da Verdade, mais de 8 mil indígenas e ao menos 434 suspeitos de serem dissidentes políticos foram mortos ou desapareceram forçadamente durante o regime. Estima-se ainda que dezenas de milhares de pessoas foram arbitrariamente detidas e torturadas. "As famílias no Brasil estavam alarmadas e colocaram-se em marcha. Diante de um cenário de graves convulsões, foi interrompida a escalada em direção ao totalitarismo. As Forças Armadas, atendendo ao clamor da ampla maioria da população e da imprensa brasileira, assumiram o papel de estabilização daquele processo”, destacava o texto.JPS/ots_______________A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube | WhatsApp | App | Instagram | Newsletter