As principais críticas à pressa do governo para regular as redes sociais
A reportagem de VEJA da edição desta semana mostrou como a regulamentação das mídias sociais é um desafio que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva pretende encarar como urgência. No entanto, ainda que as iniciativas sejam todas incipientes, o novo governo já recebeu as primeiras críticas de especialistas e entidades da sociedade civil no tema que envolve uma linha tênue entre censura e liberdade de expressão.
A principal delas diz respeito ao curto prazo de tempo no qual membros do governo querem passar a regulamentação. O chefe da Secom, Paulo Pimenta, declarou que gostaria de ter uma legislação nova com regulamentação das mídias ainda no primeiro semestre de 2023.
“Se formos pensar na principal referência, o Digital Services Act, que é uma legislação que atualiza a regulamentação das mídias nos países da União Europeia, ele entrará em vigor em 2023 após dezoito meses de debates intensos depois da proposta inicial. Reduzir esse espaço no Brasil a seis meses me parece muito apertado”, pontua Luna van Brussel Barroso, advogada e autora do livro Liberdade de Expressão e Democracia na Era Digital.
Outra crítica que corrobora com o pouco tempo de debate é que o governo ainda não ouviu entidades da sociedade civil cuja competência é fundamental para a elaboração de uma regulamentação democraticamente sadia. A OAB e o Instituto Vladimir Herzog, por exemplo, que tiveram papéis na elaboração do Marco Civil da Internet, em 2014, alegam que ainda não foram consultadas em nenhuma das iniciativas do atual governo.
“O processo tem que ser feito observando os vieses econômico, social e técnico. Não é uma tarefa para um grupo, e sim uma multiplicidade de atores de diferentes setores”, esclarece Celina Beatriz, que é secretária da Comissão de Tecnologia e Inovação da OAB-SP e membra do Instituto de Tecnologia e Sociedade. “O Marco Civil começou como um processo aberto e público, com vários setores se manifestando até chegarem num consenso”, completa.
A falta de transparência das iniciativas também chamou a atenção da sociedade. “Não é uma discussão do mérito da questão, é de forma”, deixa claro Giuliano Galli, coordenador de jornalismo e liberdade de expressão do Vladimir Herzog. “O governo não só manifestou uma intenção, o que é salutar, ele também lançou uma MP para falar disso. E não sabemos o que tem nela e nem quem participou da elaboração. A falta de clareza nos preocupa”, afirma.
Por fim, outro motivo de preocupação dos especialistas é que a regulamentação seja bancada por motivos políticos e partidários, ou montada para favorecer um grupo político específico. Principalmente porque a urgência da pauta parece ter surgido após os atos golpistas de Brasília, em 8 de janeiro, que foram premeditados nas redes sociais.
“Não dá para desmerecer a gravidade do ocorrido, mas temos que refletir se a melhor forma de avançar nessa questão é com essa pressa. A urgência está em investigar e punir os atores, não em decretar o papel das plataformas”, argumenta Celina Beatriz.
“Atribuir a qualquer órgão administrativo do governo o poder de definir o que é ilícito é muito problemático. Não queremos censura nas mãos de empresas privadas e tampouco nas mãos do Estado”, completa Luna Barroso. “Minha maior preocupação é que, a fim de combater um problema, a gente traga um passado preocupante de censura que ainda existe no Judiciário brasileiro. Os exemplos recentes da remoção homofóbica de livros na Bienal do Rio e a suspensão do Especial de Natal do Porta dos Fundos ilustram esse fantasma que ainda existe no Brasil”, exemplifica ela.