agosto 13, 2025

Já passou da hora de reformar a Previdência

Em média, os brasileiros se aposentam dez anos mais cedo do que as pessoas em países ricos, apesar de terem a mesma expectativa de vida. Isso levou a Previdência aos limites de sua capacidade, escreve Alexander Busch.Como correspondente no Brasil, é comum eu ter aquele "momento surpresa" durante entrevistas. Costuma acontecer no fim da conversa, quando pergunto sobre a biografia do meu interlocutor: de repente, o entrevistado eloquente e vivaz diz que é aposentado. Isso acontece com frequência com entrevistados das áreas da Justiça, da política, governamental, militar ou de empresas estatais – ou seja, de áreas que dependem diretamente do Estado. Nessas profissões, é comum iniciar uma segunda carreira depois da aposentadoria.Isso sempre volta a me surpreender. Por um lado, porque a maioria dessas senhoras e senhores costumam beirar os 50 anos. E porque, como aposentados, continuam exercendo um trabalho normalmente. Parece que, para a classe média brasileira que trabalha para o Estado, a aposentadoria é algo como uma fonte de renda adicional de uma carreira prévia, renda essa que é incrementada com um novo emprego.Como isso é possível?Por um lado – e essa é a boa notícia –, porque os brasileiros estão ficando cada vez mais velhos. O Brasil está entre os países do mundo nos quais a expectativa de vida das pessoas com mais de 60 anos aumentou de forma mais acentuada. Hoje em dia, os brasileiros vivem, em média, 82 anos. Ou seja, mais ou menos a idade das pessoas nas nações ricas ou industrializadas. Em 1980, os brasileiros completavam em média 76 anos quando passavam dos 60.A má notícia é que, no mesmo período, o sistema de aposentadorias quase não mudou. Desde a Constituição de 1988, as linhas gerais da Previdência não foram alteradas. Atualmente, no Brasil, as pessoas se aposentam após cumprirem o tempo de serviço – o que explica os numerosos beneficiários "jovens", especialmente na classe média.Na comparação com os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, um clube de nações ricas), os brasileiros se aposentam, em média, dez anos mais cedo – num momento em que as pessoas nos países industrializados costumam estar nos auges de suas carreiras. E isso apesar de a expectativa de vida dos brasileiros ser comparável à de países como a Alemanha ou o Chile.No Brasil, os homens se aposentam em média com 55,6 anos, e as mulheres costumam receber o primeiro pagamento da aposentadoria com 52,8 anos. Na maior parte dos países industrializados, a idade de afastamento do serviço ativo é de 65 anos, com tendência crescente para 67 anos.Esse inalterado ingresso precoce na aposentadoria faz com que os brasileiros passem cada vez mais tempo de suas vidas aposentados. O tempo médio de aposentadoria aumentou quase um terço em apenas 15 anos. Por volta da virada do milênio, os brasileiros viviam um quinto (20%) de suas vidas como aposentados. Hoje são 28% do tempo de vida.Isso levou a Previdência ao limites da sua capacidade: estatísticas mostram que as brasileiras, que vivem em média até os 84 anos, recebem aposentadorias por mais tempo do que contribuíram. "Não faz sentido a população ficar pagando para uma pessoa ficar 30 anos aposentada", constatou Marcello Estevão, diretor global de Macroeconomia do Banco Mundial, ao jornal Folha de S. Paulo.É que, na verdade, em sua definição mais rigorosa, a aposentadoria deve garantir um mínimo existencial àqueles que não puderam contribuir para a Previdência sozinhos. Mas o benefício não deve garantir uma renda adicional para aqueles que podem trabalhar, como os servidores do aparato de Estado – meus entrevistados.P.S.: Para que não haja mal-entendidos: cerca de 5 milhões de brasileiros (dados de 2017) continuam trabalhando porque recebem muito pouca aposentadoria, e 70% de todos os beneficiários recebem apenas um salário mínimo de R$ 998. A maioria das pessoas precisa complementar a renda. Por outro lado, os vigorosos e ativos funcionários públicos ganham bem mais do que o teto dos aposentados do setor privado.Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Clique aqui para ler suas colunas. ______________A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube | WhatsApp | App | Instagram | Newsletter