junho 30, 2025

SP: Ustra vira Judas em ato contra golpe de 64; RJ pede tortura nunca mais

Um boneco “Judas” representando o coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015), que já foi reconhecido judicialmente como torturador durante a ditadura militar, foi queimado durante ato contra a comemoração do golpe militar de 1964 na avenida Paulista, em São Paulo. Ustra sempre negou envolvimento em casos de tortura.

Antes de ser queimado, o boneco trazia pendurada uma placa dizendo “Sou Ustra, torturador, ídolo do Bozo”. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) já fez elogios públicos a Ustra — no ano passado, afirmou que “A Verdade Sufocada”, escrito pelo coronel para falar da luta armada de esquerda na ditadura, era seu livro de cabeceira.

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Ustra foi apontado pela Comissão Nacional da Verdade como um dos responsáveis por torturas durante a ditadura militar. Em 2008, a Justiça de São Paulo o reconheceu como torturador.

No ano passado, a mesma Justiça paulista extinguiu processo em que Ustra foi condenado a indenizar a família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, torturado e morto no DOI-CODI — órgão de repressão que foi chefiado pelo coronel. O Judiciário entende que o pleito da família tinha prescrito.

Além do protesto contra a comemoração do golpe militar, o ato na avenida Paulista teve pedidos de “Fora Bolsonaro”, entre outras palavras de ordem contra o presidente, e de “Lula livre”, pela liberdade do ex-presidente petista. O assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) também foi lembrado.

Boneco representando o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra foi hostilizado durante ato em São Paulo Imagem: Bernardo Barbosa/UOL

Na segunda-feira da semana passada, o governo anunciou que Bolsonaro tinha revertido uma proibição de comemorações do golpe militar pelas Forças Armadas. Depois, o presidente disse que o objetivo era “rememorar”, e não comemorar.

A manifestação foi convocada pelos partidos PCO e PCdoB, além da central sindical CUT. Segundo João Pimenta, da juventude do PCO e um dos organizadores do ato, a decisão de Bolsonaro é “ultrajante” para todos os que foram mortos, torturados e desaparecidos na ditadura militar.

“É um negócio que a gente não pode permitir, não dá para aturar”, disse. “O que eles estão fazendo não é só uma questão de história, não é só o passado e o presente que estão em disputa aqui. É uma questão do futuro. O que eles querem fazer é preparar o terreno para uma nova intervenção.”

Hoje, a Presidência divulgou uma foto de um papel assinado por Bolsonaro com a frase: “Quem esquece seu passado está condenado a não ter futuro”. O presidente está em viagem oficial a Israel.

Segundo a PM, cerca de 150 pessoas participaram do ato na avenida Paulista.

No Rio, manifestante pede: “tortura nunca mais”

No Rio, a manifestação juntou o repúdio à ditadura com atos em defesa da memória da vereadora assassinada Marielle Franco (PSOL) e pedidos pela liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Vários políticos de partidos como PSB, PCdoB e PT foram à manifestação, na Cinelândia, região central.

personagens rio   Marina Lang/UOL   Marina Lang/UOL No Rio, o administrador Herbert Garcia e os filhos empunhavam cartazes contra a tortura Imagem: Marina Lang/UOL

“A gente tem que lembrar o povo brasileiro o quão foi horrível o que aconteceu naqueles 21 anos, quantas pessoas morreram. 20 mil pessoas foram torturadas, 2000 índios foram mortos. A gente tem que avisar a população que isso não pode voltar. Tortura nunca mais”, disse ao UOL o administrador Herbert Garcia, 50.

Garcia e os filhos empunhavam cartazes contra a tortura, método usado pela ditadura para oprimir militantes e opositores ao regime. “Sempre fui contra o golpe e sobretudo contra a tortura. É muito desumano. É horrível que o Bolsonaro seja a favor de comemorar algo tão amedrontador”, disse a estudante Antonia Pereira Garcia, 19, filha do administrador.

“Sou contra essa ideia retardada do Bolsonaro para comemorar 1964. Acompanho meu pai, que defende as ideias comunistas e sou contra essa ideologia que o Bolsonaro tenta nos fazer engolir”, disse o irmão de Antonia, o estudante Pedro Eduardo Pereira Garcia, 17.

“A ditadura implantada em 64 ainda produz efeitos nefastos na sociedade brasileira. Lembrar a ditadura significa repudiar a ditadura. O Brasil tem um legado de mortos e desaparecidos e um legado de impunidade. A impunidade de ontem gerou impunidade hoje, porque matança e tortura ainda são expedientes do Estado”, disse o deputado Wadih Damous (PT-RJ), presente no ato.

cinelandia    Marina Lang/UOL   Marina Lang/UOL Ato contra o aniversário do golpe de 64 na Cinelândia critica o presidente: "Bolsonazi' Imagem: Marina Lang/UOL

“Tudo o que a ditadura produziu a gente tem que dizer ‘não’. A obscenidade [de Bolsonaro] ficou clara quando se negou a tortura, o desaparecimento de pessoas, a censura nas artes e à imprensa, o desaparecimento de pessoas que até hoje são procuradas por suas famílias. É desrespeitoso é indigno”, disse a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

“É extremamente grave que o chefe de Estado do nosso país proponha que os quartéis comemorar um golpe de estado, ao qual se seguiu uma ditadura violentíssima da qual não temos nenhuma saudade. Ele [Bolsonaro] não vai reescrever a história. Ele não vai transformar a mentira em verdade. Se o que foi feito em 64 fosse feito hoje, seria crime imprescritível e inafiançável. É o que há de mais grave no Estado Democrático de Direito”, disse o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ).

O parlamentar disse que o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, irá nesta semana à Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Silva será questionado a respeito da determinação presidencial sobre a comemoração do golpe.

Segundo os organizadores, 5000 pessoas participaram do ato. Já segundo a Polícia Militar do Rio, foram 600.

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