Lava Jato: Cabral diz ter recebido propina e caixa dois de cervejaria
O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB) disse em depoimento ao juiz federal Marcelo Bretas –responsável pelas ações da Operação Lava Jato na primeira instância no Rio de Janeiro– que o empresário Walter Faria, dono do Grupo Petrópolis, foi pagador de propina para a organização criminosa chefiada por ele e de caixa dois para ao menos três campanhas eleitorais. De acordo com Cabral, a propina (que não teve valores revelados por Cabral) foi paga pela empresa por intermédio do seu principal operador financeiro, Carlos Miranda.
O Grupo Petrópolis informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não obteve qualquer benefício fiscal ou financeiro durante o governo Cabral. A empresa disse que sempre atuou de acordo com a legislação e que suas relações com o estado do Rio foram pautadas por critérios de geração de empregos, “razão pela qual nunca precisou de qualquer subterfúgio para atuar no estado”.
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26.mar.2019 – O ex-governador Sérgio Cabral (MDB) chega para interrogatório na sede da Justiça Federal, no centro do Rio Imagem: FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO
Durante depoimento, o ex-governador chegou a sugerir que Faria fosse convocado para depor ao MPF (Ministério Público Federal).
Em delação premiada, Carlos Miranda já havia dito ao MPF que o Grupo Petrópolis –por meio da Cervejaria Itaipava, que compõe o conglomerado de empresas– pagava mesadas de até 500 mil à organização do ex-governador em troca de benefícios fiscais. “Era o Carlos Miranda quem fazia artimanhas para justificar esses ganhos”, reconheceu.
“Tinha propina. Houve ajuda em campanha eleitoral e, de fato, havia esse recurso, como o Carlos Miranda falou no depoimento dele que parte era para lavagem de dinheiro, outra parte ficava para o Ary [Filho, um dos seus operadores] e outra para gastos do caixa”, disse.
Cabral disse, no entanto, não ter conhecimento de pagamento direto de propina para a organização criminosa por meio do Supermercado Prezunic, conforme dito na delação de Miranda. De acordo com Cabral, o grupo repassou dinheiro “apenas para valores não declarados de campanha”.
“Em relação ao Prezunic, não houve entrega de propina. Essa relação [dele, com o então presidente do grupo, Joaquim Cunha] começou quando eu era presidente da Alerj [Assembleia Legislativa do Rio] e houve uma tentativa de extorsão ao grupo por parte de alguns deputados e eu intervim. Desde então, o Joaquim ficou muito próximo e começou a ajudar com caixa dois em 2010 e 2006, quando eu fiz campanhas [ambas ao governo do estado]”, disse.
De acordo com o ex-governador, é possível que Ary Filho tenha negociado propinas em seu nome, sem que ele fosse previamente avisado. “Talvez o Ary tenha pego, em meu nome, dinheiro nesse supermercado para fins pessoais”, disse.
Em nota, o Cencosud, detentor da Prezunic desde 2012, afirma que “desconhece qualquer pagamento feito de forma irregular e está à disposição das autoridades para qualquer esclarecimento adicional que se faça necessário”.
Mudanças na estratégia de defesa
Preso desde novembro de 2016 e condenado a um total de 198 anos e seis meses de prisão, Cabral foi denunciado 29 vezes no âmbito da Lava Jato no Rio. Ele trocou a sua defesa em dezembro. Na época, cogitou-se uma delação premiada do ex-governador. No entanto, o acordo nunca foi confirmado.
Desde então, o que se vê é uma mudança de estratégia da nova defesa. No mês passado, Cabral admitiu o recebimento de propina durante seus dois mandatos e apontou o ex-governador Luiz Fernando Pezão (MDB) como recebedor de valores indevidos.
Cabral definiu a cobrança de propina em seu governo como um “vício” e um “erro de postura” –foi a primeira vez que ele admitiu na Justiça desde que foi preso ter recebido dinheiro sobre contratos.
Na audiência de hoje, ele falou sobre o tema. “Diante da nova postura que adotei, quero reconhecer os meus erros e externar o meu arrependimento”, afirmou, na abertura do depoimento.