Nikolas Ferreira mostra que a esquerda não aprendeu com Bolsonaro
Jair Bolsonaro sempre foi uma figura do baixo clero do Congresso. Para aparecer, vivia pelos corredores da Casa arrumando brigas com parlamentares de esquerda.
Na tribuna, seguia o mesmo método. Seus discursos com falas polêmicas e, em alguns casos, distantes do decoro parlamentar terminavam em gritos e confusão. Não foram poucas as tardes de sessão da Câmara em que Bolsonaro, após provocar um integrante da esquerda, conseguia holofotes para suas posições.
Na disputa com o PT pelo comando da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara, durante o primeiro governo de Dilma Rousseff, Bolsonaro ganhou dias a fio de exposição no noticiário nacional. No Congresso, manifestantes protestavam contra Bolsonaro dia e noite. O deputado divertia-se com os ataques e, naqueles dias, já recebia mais de 3.000 e-mails diários de admiradores pelos canais oficiais do gabinete.
Certa vez, numa entrevista a Jô Soares, ele admitiu seu método de provocar para aparecer. Ele foi chamado a dar entrevista na Globo porque havia defendido, numa outra ocasião, fuzilar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Questionado sobre a fala, Bolsonaro foi direto: “Se eu não peço o fuzilamento do Fernando Henrique Cardoso, você jamais estaria me entrevistando agora”.
É esse mesmo método que, há dias, mantém o deputado Nikolas Ferreira entre os personagens mais comentados e pesquisados na internet brasileira. No dia da Mulher, ele subiu à tribuna da Câmara com uma peruca loira e fez um constrangedor discurso contra mulheres transexuais.
O carnaval em torno da fala vem transformando o parlamentar de 26 anos em celebridade entre os muitos que pensam como ele ou simplesmente se colocam em posição distante da esquerda. Uma parte importante da sociedade quase reelegeu Bolsonaro e seu projeto político por concordar com suas visões de mundo.
O que Ferreira defende é crime? Há instâncias a acionar. Reflete preconceitos impregnados na sociedade? Há projetos de lei e ações educativas a serem propostas. Cair em toda provocação da direita, no entanto, é uma escolha que só ajuda a divulgar figuras como Ferreira. A esquerda, que já serviu de escada para Bolsonaro no passado, segue, ao cair nessas armadilhas retóricas, repetindo a história com o jovem deputado da peruca. Sem projeto sólido de país, a base do governo se deixa pautar pelo bolsonarismo.